segunda-feira, agosto 13, 2007

presságio

Os limites dos dias narraram os pés diante do abismo. A salvação estava sempre ali, na lua. Quando o breu cobre o céu, as estrelas apontam feitos vaga-lumes (festejando e vagando; deixando seus rastros de luzes), assim, sinalizam o crepúsculo da vida. Pudera eu viver! Que estava na lua à esperança, eu sabia, mas meu sono (...) um depósito que carregava a fonte ao estímulo da existência. Fazia-me existir (ou resistir) o apontar do sol que despertava a ânsia de farejar o clarão que tinha cheiro de farinha e mel. Assim, soberba, eu subentendia a vida no doce esfarinhar das minhas manhãs. Mas conhecer? Conhecia mesmo a morte. De todas as palavras, a certeza sempre fora um mistério. Ah, mistério! O fascínio do meu fascínio. Por tocar a língua na palavra SEMPRE, quisera mais uma vez a intenção e atenção à mortalidade. Entender o sempre dentro da morte – um conto assim; era uma vez a morte, minha direção, meu norte! Foi naquele agora para todo o sempre que a confiança apresentou (inda agora não apressou em levar-me, mas adiante, vou-me). Estou viva cultivando-a. Fui ejaculada no ventre da nação para traduzir a esmo a desconfiança de nada ser. Para conhecer o que o mundo caducava, mas a sensatez de estar, só permitia-me o reconhecimento; onde permanecer é encontrar-se na parte e a parte encontra-se em si. Viver é estar em um espaço dotado de dúvidas, mas além delas, constam nos olhos uma construção de matérias lindas, e o que era notável era o inexprimível. Essas matérias julgadas por beleza fixavam-me às vertigens. Foi difícil abrir os olhos sem pestanejar – quando é mais fácil falar no escuro se os olhos estão abertos. Mas encorajei os medos para enxergar e com testemunho da minha mente, fizera o feito. A coragem é um soldado frente o exército, uma fúria em chamas, civilizado a uma postura de fé. Passei a perceber coragem como digno papel de perdurar nos diagramas da vida; em livros, expostos em museus, em imagens nas fotografias e nos cinemas. Tudo, tudo isso, me fazia pensar na vida como resumo de um registro, me fazia pensar nos limites da gente, a custo de apenas um registro. Da gente, os seres humanos. Nada mais que uma materialização simultânea do mundo, desse impotente mundo. Das alegrias e tristezas, valia o suporte da patente (de viver a criação, de viver a arte como único modo e meio de significar o indizível). No mundo, sem muro, na tolerância da vida sem extravios (salve as palavras que brincam, mas salve-as e joguem fora, porque trocadilhos existem apenas para representar – a vida e a morte). Então, fora assim que passei entender, ultrapassando o estágio recoberto pela escuridão, desconhecendo os minutos que vinham, mas indo, onde a luz queimara a cegueira da ignorância; ultrapassei a confortável satisfação de aceitar a escravidão. Pedi carta de alforria à minha consciência e graças ao meu desejo-no-meu-deserto, ganhei! Ganhei a liberdade e alguma consistência. Compreendi a morte antes da vida, compreendi a vida como se eu fosse morte. E morri ao viver. E vivi o mundo ao morrer, amortecida de mim mesma, nua e extasiada, no concreto feito pedra, e pudera eu sentir mais que os hormônios de um corpo de sangue de sal de água. Era apenas uma lápide. Eu sentia, com a razão que ciência não explica, com emoção que coração não condena. Àquele reconhecimento pelo qual questionara, sim, existia. Quando os olhos eram salvos pela lua frente ao abismo, estava a simplificação do que se reconhece e do que satisfaz, naquelas manhãs ricas que esfarinhavam ao entardecer. Para não cair na tentação do ódio estava frente às respostas de que tudo retorna entorno das figuras, mais uma vez; é a vida um suporte de representação. Sabe para quê? Para resistir o final de qualquer natureza, para resistir mais que os destroços de guerras, mais que carapaças, baratas, gente e coisa ingrata; a suficiente arte - a fonte da vida, a música do solo, a poesia do céu e da terra, as cores possíveis do horizonte no mar, no sertão e no vertical das montanhas e cordilheiras. Toda essa figuração já me valeria à palavra SEMPRE da morte. A morte (...). Ao menos a confiança do tudo ser, mesmo que sejamos nada além da vida. Assim coloco-me ao pé da raiz, abaixo dos sete palmos, defronte ao túmulo da tenra lembrança (...). A vida vadia é então a conexão de chegada e partida para representar os suspiros que espreitam os ares? Sei da morte, que é uma diva a qual eleva o transcender de tudo isso. É uma diva rica que não espera o amanhã. Que abandona as coisas do mundo, da terra em transe, do transito da esfera. Retratá-la como rica, talvez seja pouco ao que não se pode mensurar. Nem as ilhas, nem as groselhas, nenhuma pirâmide, navio ou tempero ornamentado pode ter valor diante do que essa diva carrega. A morte é uma diva. Que assegura o poder da ilustração de todos que puseram pousar no ninho terrestre, que puderam um dia amar e odiar. Carrega consigo o tesouro da mente. Muito, muito rica é a diva morte. Herda do mundo a probidade e a certeza falida do vivo. Herda o lirismo que nenhuma matéria poderá lapidar. Leva feito vento a poesia pura e o extrato do corpo, a essência que um dia, um pai e uma mãe pudessem deixar. Muito, muito rica é a diva morte. Que herda da vida o nome de alguma alma.

2 comentários:

Anônimo disse...

Guria
o mundo pode registrar teu nome. Tu faz parte de um grupo seleto de prosistas, contadores e poetas bons. Espetacular.

caomaria disse...

maravilhoso. só isso que consigo dizer.